Na era do Ensino on-line: alguns pressupostos
Sabemos que atualmente o grande objetivo da educação, presencial ou on-line, tem sido a autonomia do aluno. Paulo Freire (2003), pela dialeticidade do ato de ensinar, acabou falando da autonomia do aprendiz em seu pequeno (grande) livro, a “Pedagogia da Autonomia”, embora seu enfoque tenha se dirigido especificamente à prática pedagógica.
Deste trabalho podemos inferir que o sujeito autônomo é aquele que está aberto à mudança, capaz de refletir criticamente, contextualizando suas ações e se comprometendo com o bem estar coletivo. Portanto, neste significado se expressam e se entrecruzam dimensões: intelectuais, sociais e políticas.
E assim, pensar em promover a autonomia do aprendiz através do desenvolvimento do ensino on-line é, sobretudo, formar o cidadão. Não podemos nos restringir apenas ao domínio de conteúdos. Há porém, alguns processos didáticos que podem contribuir decisivamente para melhor expressar essa autonomia. São eles: a interatividade, a aprendizagem colaborativa, a interdisciplinaridade e a aprendizagem baseada em projetos, todos eles intimamente relacionados.
Poderíamos iniciar afirmando que a Interatividade depende da aprendizagem colaborativa e vice-versa. A Interatividade virou termo da moda; mas não se trata de um conceito novo. O termo é originário do substantivo interação que designa uma “ação que se exerce mutuamente entre duas pessoas ou mais coisas, ou duas ou mais pessoas; interagir, agir reciprocamente, de forma interativa”. (Aurélio, Dicionário da Língua Portuguesa- Século XXI, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000). Interatividade significa portanto, o processo de comunicação que permite o receptor interagir ativamente com o emissor. Neste sentido, passa a ser compreendida como a possibilidade do sujeito participar ativamente, interferindo no processo com ações, reações, intervindo, tornando-se receptor e emissor de mensagens. É o que Lévy(1994) denominou de terceiro nível da interatividade, não mais do tipo um-todos , nem um-um, mas do tipo todos –todos , em que os sujeitos podem trocar, negociar e intercambiar diferentes experiências ao mesmo tempo.
Hoje, podemos encontrar esse tipo de Interatividade em algumas tecnologias síncronas, como o WhatsApp, Telegram, Instangran e atualmente por meio de plataformas de videoconferência, cujos saberes passam a ser dispostos de forma associativa na rede a qual pertencem, modificando a lógica de acesso aos mesmos e assim, sendo construída uma inteligência coletiva-entendida por Lévy (1994, p.38) “como uma inteligência globalmente distribuída, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que conduz uma mobilização efetiva das competências” necessárias à geração do Séc XXI.
A Aprendizagem Colaborativa também é considerada uma metodologia que auxilia a expressão da autonomia. Para melhor compreendê-la, podemos nos amparar em pressupostos de Vygotsky, que vê a aprendizagem como processo essencialmente social, marcado pela interação do aluno com o professor e com outros companheiros.
Segundo Forcheri et al.(2000), a aprendizagem pode ser desenvolvida de duas maneiras: com base em atividades individuais e de grupos; esta última, implicando necessariamente em colaboração. Exemplos desses efeitos, encontramos no Fóruns, usados em ambientes virtuais de aprendizagem que têm como objetivo criar um repositório de informações que permita aos usuários trocarem informações e se ajudarem mutuamente. Outro ponto extremamente interessante da aprendizagem colaborativa, além da troca de informação e experiência entre as pessoas, é o seu caráter potencialmente motivacional: quando um aprendiz é levado a interagir com outra pessoa, o processo se torna muito mais rico e estimulante, se comparado à interação que se realiza solitariamente com uma máquina.
Entendemos, pois, que trabalhando com a Aprendizagem Colaborativa pode-se resgatar a sala de aula em um novo tempo e um novo espaço. Os alunos preservam a ideia de “turma”, mas o tempo é outro – é assíncrono. E a sala está em um outro espaço – na nuvem, que permite coisas inimagináveis, possui inusitadas possibilidades de interação, envolvendo alunos e professores no contexto de uma comunidade virtual de aprendizagem.
Até aqui, podemos dizer que a autonomia, interatividade e a aprendizagem colaborativa são certamente, elementos fundamentais, que precisam ser bem compreendidos para que se possa dinamizar o ensino on-line. Na realidade, eles são estruturadores das dinâmicas, das atividades didáticas, das inter-relações entre os sujeitos envolvidos na ação educativa e do próprio processo de crescimento dos alunos e professores.
Um outro processo que consiste na articulação entre teorias, conceitos, ideias, em constante diálogo entre si é a Interdisciplinaridade, que “não é categoria de conhecimento, mas de ação[…] , que nos conduz a um exercício de conhecimento: o perguntar e o duvidar”. (FAZENDA ,1994, p.28). Tal forma de ação favorece a articulação horizontal entre as disciplinas, numa relação de reciprocidade, propiciando, ao mesmo tempo, o aprofundamento vertical de cada disciplina e a superação da fragmentação disciplinar. “Num processo interdisciplinar não se ensina e nem se aprende: vive-se, exerce-se” (FAZENDA,1994, p.28).
Um último processo didático, a Aprendizagem Baseada em Projetos demanda um ensino que provoque ações colaborativas. A aprendizagem por projetos é atividade criativa e não exclusivamente técnica (de ampliação de atividades externas); é processo de investigação (na ação), onde há lugar para a complexidade do real. Alunos e professores – sujeitos de sua própria ação – se engajam num processo de investigação, redescoberta e construção coletiva de conhecimento, que ignora a divisão do conhecimento em disciplinas. Ao compartilhar ideias, ações e reflexões, cada participante é ao mesmo tempo “ator” e “autor” do processo (FAZENDA , 1994, p.17).
Trabalhar com aprendizagens baseadas em projetos exige maturidade, disciplina e autonomia bem como, envolvimento com a construção do conhecimento; demanda esforço para superar coletivamente os desafios, dúvidas e dificuldades, e, ainda, capacidade de apontar caminhos e contribuir para o crescimento de seus alunos.
Para finalizar, podemos perceber que vem se delineando um redimensionamento da prática pedagógica para a o ensino on-line. As possibilidades criadas com a introdução das tecnologias digitais no ensino tão inusitadas, forçam o professor a reagir e agir de forma bastante diferente da tradicional (aula expositiva). Também não podemos omitir que ainda existem inúmeras dificuldades e desafios no ensino que se vale dessas tecnologias. Problemas em relação ao acesso, sistemas de comunicação, ressaltando particularmente a lentidão na transmissão das informações, a dinâmica de interação entre alunos e professores, que muitas vezes é prejudicada pela demora nas respostas via web. “Na cibercultura, todos estamos reaprendendo a conhecer, a comunicar-nos, a ensinar; reaprendendo a integrar o humano e o tecnológico; a integrar o individual, o grupal e principalmente o social” (MORAN et al, 2001).
Referências Bibliográficas
FAZENDA, I. C. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas, São Paulo: Papirus. 1994.
FORCHERI, P. ; MOLFINO M. T. & QUARATI, A. Aprendizagem individual guiada pela Tecnologia de Comunicação e Informação (ICT): http://ifets.ieee.org/periodical/vol_1_2000/forcheri_portuguese.html
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia. saberes necessários à pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003.
LEVY, P. A inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. Lisboa: Instituto Piaget,1994.
LOBO, F. J. da S. Educação a distância: função social. Tecnologia Educacional, Rio de Janeiro, v.20,n.101.p.70-77, jul/ago,1991.
MORAN, .J. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In MORAN. J.; MASETTO, M. T. e BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas (SP): Papirus, 2001.